3 de dez. de 2012

JEAN-PAUL SARTRE - Parte I



por Pedro Luso de Carvalho


Depois da publicação de Les Mots (As Palavras), pela Editions Gallimard, em 1964, ficou menos difícil escrever sobre o escritor Jean-Paul Sartre, pelo menos no que diz respeito a fatos biográficos. Nessa obra autobiográfica, Sartre conta como seu pai Jean-Baptiste conheceu Anne-Marie, como morreu, e como sua mãe enfrentou, aos vinte anos de idade, essa situação inesperada, e tendo que manter a si própria e ao filho, este recém-saído de uma enfermidade, sem dinheiro e sem profissão:

“Jean-Baptiste quis ingressar na Escola Naval, para ver o mar. Em 1904, em Cherbourg, oficial da marinha e já roído pelas febres da Conchichina, conheceu Anne-Marie Schweitzer, apoderou-se da mocetona desamparada, desposou-a, fez-lhe um filho a galope, eu, e tentou refugiar-se na morte. Morrer não é fácil: a febre intestinal subia sem pressa; houve remissões. Anne-Marie cuidava dele com devotamento, mas sem levar a indecência a ponto de amá-lo (...) Não chegou a conhecer bem meu pai, nem antes nem depois do casamento, e por vezes devia perguntar-se por que aquele estranho optara por morrer entre os seus braços”.

Após a morte de Jean-Baptiste, em 1907, Anne-Marie vendo que não tinha meio pecuniário para manter-se com o filho mudou-se para a casa de seu pai, o austero Charles Schweitzer, em Meudon, perto de Paris. Aí o velho Schweitzer passaria a tratar a filha como a tratava quando criança, exigindo-lhe irrestrita obediência. Sob a rígida autoridade do pai e avô o relacionamento entre mãe e filho mais parecia o de irmãos, já que para o menino a imagem da mãe havia desaparecido. Agora, com o encargo de manter filha e neto, Charles Schweitzer passaria também a deter toda autoridade sobre eles, inclusive na educação do menino.

Sobre a morte de seu pai, Sartre revela que “A morte de Jean-Baptiste foi o grande acontecimento de minha vida: devolveu minha mãe aos seus grilhões e me deu a liberdade”. E mais esta sentença: “Não há bom pai, é a regra; que não se faça disso agravo aos homens e sim ao laço de paternidade que apodreceu. Fazer filhos, não há coisa melhor; tê-los, que iniquidade! Houvesse vivido, meu pai ter-se-ia deitado sobre mim com todo o seu comprimento e ter-me-ia esmagado. Por sorte, morreu moço”. Sartre lembra que durante vários anos via no seu quarto o retrato de um pequeno oficial, seu pai, de olhos cândidos, com o crânio redondo e pelado, de grandes bigodes, retrato esse que desapareceu depois que sua mãe casou novamente.

Em Les Mots Jean-Paul Sartre lembraria sua infância: “Eu era uma criança bem comportada. Consinto gentilmente que me ponham as meias, que pinguem gotas no nariz, que me escovem e que me lavem, que me enfeitem e me esfreguem; não sei de coisa mais divertida do que bancar o bem comportado. Nunca choro, quase não rio, não faço barulho...” O menino passava horas no escritório do avô, envolvido com leitura de livros infantis e clássicos da literatura. Mais tarde explicaria que para ele existia unicamente um mundo imaginário, distante, pois, do mundo real.

Em 1911, a família Schweitzer mudou-se para Paris. Em 1917, Anne-Marie casou-se com um engenheiro naval que dirigia os estaleiros La Rochelle; assim o menino deixou Paris para ir morar com a mãe e o padrasto nessa cidade portuária, até o ano de 1924; nesse ano, aos dezenove anos, voltou a Paris para cursar a École Normale Supérieure (Escola Normal Superior), estabelecimento que, além de formar professores secundários, propiciava encontros para discussão filosófica e política. E, foi num desses encontros para debates, que Sartre conheceu Simone de Beauvoir, com quem se identificou já no primeiro encontro, e disse-lhe: “A partir de agora eu tomo conta de você”. Essa ligação com Simone de Beauvoir, distinta do casamento burguês, seria para a vida inteira.

Nesses encontros, as palestras cingiam-se aos problemas que se relacionavam ao papel do homem e de suas ideias na história, ou da interação da sociedade com o homem, que afligiam e ao mesmo tempo animava a geração do pós-guerra – com os reflexos do primeiro conflito mundial (1914-1918), que gerou na juventude perguntas como: até que ponto o homem pode agir sobre a realidade e influenciar, com o seu pensamento, a marcha da história? Em que medida a realidade segue um caminho independente, esquivando-se ao controle dos indivíduos?

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REFERÊNCIAS:
SARTRE, Jean-Paul. As Palavras. Tradução de J. Guinsburg. 6ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
CRANSTON, Maurice. Sartre. Tradução de Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
THODY, Philip. Sartre. Tradução de Paulo Perdigão e Amena Mayall. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1974.
MAUROIS. André. de Gide a Sartre. Tradução de Maria Clara Mariani Lacerda e Fernando Py. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 197?



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