14 de nov. de 2011

GIL NA SUÍÇA SÓ COM VOZ E VIOLÃO

Menos política e mais tempo para a família (Keystone)

         Um cantinho, um violão e a poesia de Gilberto Gil. Assim foi o show que o cantor e ministro da cultura do Brasil apresentou em Lucerna na semana passada. O espetáculo faz parte da turnê do artista pela Europa, que inclui músicas do CD "Luminoso", lançado em 2006 e que reúne algumas de suas composições dos anos 70 e 80.

        Duas horas de pura poesia. Nada de bandas, luzes e dança.

      No repertório, composições inesquecíveis como "Esotérico", "Superhomen, a canção", "Metáfora", "Chiclete com Banana", "Se eu quiser falar com Deus" e "Maracatu Atômico", entre outras. 

        Como sempre, o público respondia a seus apelos para que o acompanhasse num refrão – ora um texto fácil em português, ora um som, possível de ser reproduzido também pelos estrangeiros. Antes mesmo de ser ministro, Gil sempre foi autoridade - no palco. O público espera ser chamado para brincar – e Gil comanda a massa. Não cantou sozinho "Aquele Abraço", "Toda Menina Baiana" ou "Expresso 2222". 

        Apresentou também uma versão bem-humorada de "When I'm 64", dos Beatles – ele completará 66 anos em junho - e "No Woman no Cry", de Bob Marley, gravada com Jimmy Cliff nos anos 80. Contou ao público que compôs, a pedido da mulher, Flora, uma música – "A Faca e o Queijo" – e apresentou um xote, "Despedida de Solteira", que estará no novo CD, com lançamento previsto para junho.

        Depois de passar algumas músicas, naquela tarde, e antes de subir no palco, Gilberto Gil concedeu a seguinte entrevista a swissinfo:

        Swissinfo: Como tem sido uma turnê só de voz e violão na Europa?

      Gilberto Gil.: Estes shows parecem salas de aula, lugares de encontro e igrejas. Lugares onde a autoridade musical se instala de uma maneira muito própria, autônoma e é ela quem rege como em um rito.

        Quem é esta autoridade musical?

       G.G.: Não sou nem eu nem os que me acompanham, mas todos. Todos estão ali para este ritual, centrados neste ente cultural musical do qual o público e o artista participam. É aí que se dá a regência que a música faz num concerto como este.

        É diferente dos shows dançantes?

       G.G.: É muito diferente do que acontece nos grandes festivais de verão e em outras festas, onde há a reprodução de uma festa tribal mais primitiva, mais dionisíaca, com jovens endiabrados e etc. Ali a música não tem a regência que ela tem aqui. Não é a mesma. Ali ela é um elemento entre outros tantos dessa grande festa. A regência lá é a festa, não a música. Aqui a regência é a música e a poesia. É uma outra coisa.

        Nessa turnê você canta para quem está fora do Brasil. Você já ficou exilado alguns anos. Do que você tinha saudade?

       G.G.: De tudo. Do cheiro, da comida, da música, das pessoas...Mas era um outro tempo...Era uma saudade antiga...

        O que mudou, na sua opinião?

        G.G.: Acho que as pessoas têm saudade, mas é diferente. Há uma multiculturalidade que imprime uma outra característica à saudade. Hoje fui lavar a cabeça: o cabeleireiro era italiano, a menina que atendia era francesa. No hotel, a moça que servia o café da manhã era portuguesa. 

        Fala-se inglês, francês, italiano. Quando entrei no hotel ontem, um rapaz brasileiro já me disse que havia um salão de beleza de brasileiras... Há uma comunidade mais plural e internacional que faz com que todas essas coisas: saudade, perda e distância sejam diferentes. Elas viajam mais, as passagens são mais baratas. Hoje vão ao Brasil e voltam. A multidão vive em êxodo pelo mundo. E os brasileiros também.

        E as pessoas? Também sentem diferente?

       G.G.: Ah! As pessoas são mais temperadas. Não se quebram tanto pela falta que algumas pessoas fazem ou que o bairro faz. São tantos outros mundos hoje, e as pessoas têm todas as variedades. Até o conceito da morte não tem mais aquela saudade do que você não vai ver. O mundo já anda sózinho. Isso dá uma sensação de eternidade e aí pode-se pensar: e se eu desaparecer, pouca falta farei... porque o mundo não pode ser tão diferente assim do que já é e não perderei muito (risos).

        Nesse panorama multicultural, como você vê a música. Há um estilo predominante?

      G.G: Não vejo as correntes musicais com hegemonia, mas também com pluralismo. A grande predominância é da influência africana, que foi para o Brasil, Caribe e América do Norte: deu jazz, rock, reggae, salsa...Misturou-se à musica européia de salão. Os gêneros populares são híbridos. A música do mundo é isso. Os últimos a chegarem foram os árabes e asiáticos, mas estão entrando nesse processo do pop internacional.

        E no Brasil? Há hegemonia?

       G.G: O Brasil também está nesse processo. Internamente há matrizes. Há reggae misturado com funk, com rock. Samba com baião, com carimbó. É uma variedade.

        Você contribuiu para isso no Brasil, não?

        G.G.: Sim. E digo isso porque sou considerado assim internacionalmente.

       No ano passado você teve um problema com as cordas vocais e pretende deixar o ministério este ano. Vai se dedicar mais integralmente à musica?

        G.G.: Quando manifestei vontade de deixar o ministério foi por causa de problemas com minha voz, que hoje estão relativamente sob controle. Mas evidentemente teria de deixar o ministério em algum momento, né? (risos). 

       Quando deixar, não é o fato de voltar integralmente à música. Acho que já sou integralmente da música. Em casa, com meu violão. Com meus filhos, muitos deles músicos. A música está no meu dia-a-dia. Tenho a possibilidade de seguir diferentes carreiras.

        Você acha que é diferente de alguns anos atrás?

       G.G.: Ah! Não tenho mais aquela coisa de montar uma carreira, conquistar espaços em gravadoras, empresários, etc. Hoje tenho a possibilidade de seguir diferentes carreiras: solo, em bandas, de popstar...Sou versátil para seguir diferentes carreiras.

        E por que deixar o ministério?

        G.G.: Tenho de considerar o fato de que tenho uma família grande: netos novos, novos netos chegando e tenho outros prazeres de comunhão humana. Mais para isso que preciso de folga.

       Mais para tudo isso e não necessariamente para trabalhar uma carreira. A carreira musical é um fragmento dentro de uma diversidade cultural que caracteriza minha vida e minha pessoa.


         Entrevista swissinfo, Lourdes Sola