por Pedro Luso de Carvalho
Evolução da Crítica Shakespeariana foi o título da palestra realizada por Afrânio Coutinho no curso realizado pela Academia Brasileira de Letras, em 1964, por ocasião da comemoração do quarto centenário de Shakespearie. O mestre inicia-a dizendo que a crítica literária não se constitui um gênero literário que possa ser análogo com o romance, o lirismo, o drama, a crônica, que nascem da imaginação, enquanto a crítica literária constitui-se em produto da razão, que exige reflexão, o que a aproxima da filosofia.
Na crítica, o espírito atua sobre a matéria literária, em todos os gêneros imaginativos. Sua tarefa é, pois, de natureza racional, de forma específica, em relação aos gêneros da literatura: romance, novela, conto, crônica e poesia; do que é criado pela imaginação, em literatura, passa, no que diz respeito à crítica, a ser analisado, interpretado, compreendido e julgado. Então, tem-se que a matéria específica da crítica literária, no campo da racionalidade, é meditar e definir o fenômeno literário, tais como aparecem na obra de arte da linguagem, em qualquer um de seus gêneros acima mencionados.
A crítica, criada por Aristóteles, às vezes olhada com desprezo por muitos escritores da literatura, há muitos séculos vem servindo de conselheira do leitor, sem o qual não se justificaria a existência dessa forma de manifestação artística, vem caminhando sem esmorecer, desde sua criação até os dias atuais, em defesa da arte das palavras. E, na medida em que a literatura apresenta suas mutações ao longo dos anos, também a crítica faz a sua adequação às novas épocas, com seus períodos estilísticos, escolas e escritores.
Da longa palestra sobre crítica literária, proferida por Afrânio Coutinho, na Academia Brasileira de Letras, a respeito da análise do estilo e da técnica usada pela crítica, em razão da especificidade da obra e da envergadura de seu autor, referindo-se de modo especial à obra shakespeariana, transcrevo apenas alguns trechos que considerei mais importante:
No espaço de perto de quatrocentos anos que a sua obra ocupa as atenções do mundo - diz Coutinho -, ela é um constante desafio à argúcia explicadora e valorativa da crítica literária. Nenhuma outra obra, pelo seu volume e qualidade, pois é o maior e mais perfeito acervo literário ainda produzido pelo espírito criador da humanidade, tem oferecido oportunidades mais amplas à penetração e compreensão do fenômeno literário.
E, de feito, a resposta que a crítica há dado a esse desafio tem sido memorável. Pode-se afirmar, também, que se é grande a obra shakespeariana, não é menos valiosa a contribuição que a crítica literária universal tem dado, a partir da observação, do estudo, da análise, da interpretação daquele extraordinário acervo de arte da palavra. Debruçada sobre ele há quase quatro séculos, a mente indagadora da crítica tem retirado, por outra parte, conclusões percucientes sobre o que seja a literatura, sobre como opera no espírito do público, sobre a sua natureza e função.
Não há seguramente, maior matéria prima literária para sobre ela fazer atuar o espírito crítico: drama ou lirismo, tragédia ou comédia, personagens ou enredos, estilo ou linguagem, metáforas ou símbolos, sublime ou natural, fantasia ou realidade, humanidade comum ou tipos heróicos, amor e morte, infância e velhice, guerra e paz, o instante e o eterno, a cidade e o campo, o passado e o presente, a obra shakespeariana é o espelho da humanidade, um resumo da história do homem, é o próprio homem em seus variados aspectos de grandeza e miséria, diante da vida e da morte, do perigo e da alegria, do infortúnio e do triunfo, do amor e da maldade, dos poderosos e dos humildes.
Daí em diante, Afrânio Coutinho ocupa-se em fazer um levantamento da manifestação da crítica sobre a obra de Shakespearie, de sua repercussão e aceitação pelos leitores, mencionando que, em 1942, o bibliográfico William Jaggard afirmava que com exceção das Escrituras, nenhum outro assunto ou escritor havia despertado mais comentário crítico do que Shakespearie, aduzindo, que o acervo crítico, em razão do volume de suas publicações, não foi arbitrário e nem somente quantitativo, incluindo todas as escolas críticas, todos os métodos, todas as teorias, no andar da literatura ocidental.
Afrânio dos Santos Coutinho nasceu em 15 de março de 1911, em Salvador, Bahia. Foi ensaísta, crítico literário e educador. Formado em Medicina em 1931, tomou outro caminho: foi professor de Filosofia, História e de Literatura. Escreveu 29 livros, que foram publicados entre os anos de 1935 a 1994, dentre eles, Correntes cruzadas, Introdução à literatura no Brasil, A literatura no Brasil (16 tomos), Machado de Assis na literatura brasileira, Crítica e Poética, A tradição afortunada – história literária. Em 17 de abril de 1962, passou a ocupar a Cadeira nº 33 da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 5 de agosto de 2000, na cidade do Rio de Janeiro.
REFERÊNCIAS:
COUTINHO, Afrânio. Crítica e Poética. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968.
KOOGAN LAROUSSE. Pequeno Dicionário Enciclopédico. Rio de Janeiro: 1979, p.1112.