15 de fev. de 2012

JOÃO CABRAL - Poema para Drummond

João Cabral de Melo Neto


                      por Pedro Luso de Carvalho


        No artigo anterior publicado aqui neste espaço tive a oportunidade de mostrar alguns trechos da obra Idéias Fixas de João Cabral de Melo Neto, escrita pelo poeta e jornalista, Félix Athayde, amigo de João Cabral. Esse livro está dividido em duas partes: “Uma educação pela pedra” (as opiniões do poeta sobre muitas coisas, sempre relacionadas com a literatura) e “Outra educação pedra” (a obra comentada pelo próprio poeta, e com suas opiniões sobre autores, e o que João Cabral comenta sobre seus próprios livros e sobre ele mesmo).

        Por tratar-se de uma amostragem das idéias de um dos mais importantes poetas da língua portuguesa, o retorno à obra de Félix Athayde justifica-se plenamente. Sendo assim, veremos a seguir um pouco mais do que o escritor retirou do arquivo particular de João Cabral, que, como ele diz, foi “organizado pela sua falecida esposa Stella Maria Barbosa de Oliveira Cabral de Melo – pessoa excelente de humanidade e arquivista de profissão”.

        Sobre o arquivo do poeta organizado por Stella, diz Athayde, é tão amplo e minucioso que nem precisei me valer de outras fontes: ele cobria satisfatoriamente todo o espectro que me propunha. Mais verbetes e seria ampliar o livro com repetições desnecessárias, engordar o volume inutilmente, tornar o livro mais caro comercialmente”.  

        Athayde explica porque não precisou ampliar o livro : “porque a segunda esposa de João Cabral, poeta Marly de Oliveira, acompanhou com ciência, paciência e experiência acadêmica a feitura deste livro, contribuindo com sugestões e aconselhamento sempre interessantes e desinteressados”.

        Para esta segunda postagem sobre Idéias Fixas de João Cabral de Melo Neto, escolhi os verbetes que seguem:

        “ARTE – Pode-se dizer que hoje não há uma arte. Não há a poesia. Mas há artes, há poesias. Cada arte se fragmentou em tantas artes quantos foram os artistas capazes de fundar um tipo de expressão original.”

        (“Os poetas estão vivos”, Revista Petrobrás, Rio de Janeiro, nº 266, mar./abr. 1974.)

        “CRÍTICA - O fato de ter mais de 10 livros sobre mim não é uma coisa que me deixa muito honrado, não. Tem poetas melhores do que eu sobre quem não há livros. São poesias muito melhores, de estruturas mais simples. Mas acontece que eu sinto que a minha poesia presta para um professor brilhar sobre ela. De forma que isso prova duas coisas: que eu sou difícil e sou um escritor para professores.”

         (Entrevista a Mônica Torentino, O Estado de S. Paulo, Caderno 2, São Paulo, 17 jan. 1989.)

        “FORMAÇÃO – Não [não escrevo desde pequeno], inclusive quando era aluno do ginásio eu tinha horror à poesia... Ler, eu sempre li, romance e, depois de certa idade muito ensaio, muita coisa. Agora, poesia, eu tinha verdadeiro horror, porque, naquele tempo, as antologias em que a gente estudava nos colégios só iam até o Parnasianismo, de forma que eu lia poetas brasileiros e portugueses parnasianos, românticos, e aquilo me dava nojo, tinha um verdadeiro ódio à poesia. Ódio é exagero, mas não entendia como alguém podia se interessar por aquilo. Eu me lembro que já tinha deixado o colégio (acabei o colégio em fins de 1935), quando peguei um antologia publicada pela Globo do Rio grande do Sul, de um cidadão chamado Estêvão Cruz. Eu acho que foi a primeira antologia publicada no Brasil incluindo poemas modernos; eu me lembro que tinha “Não sei dançar”, de Manoel Bandeira, Essa nega fulô”, de Jorge Lima, acho que tinha um pedaço de "Noturno de Belo Horizonte”, de Mário de Andrade, de forma que foi o primeiro contato que tive com a poesia moderna, e para mim foi uma revelação: aquilo nada tinha a ver com as coisas de Bilac e Alberto de Oliveira que me davam para ler no colégio”.

         (Entrevista ao cineasta Ivan Cardoso, Folha de S. Paulo, Folhetim, São Paulo, nº 533, 24 abr. 1987.)
Carlos Drummond de Andrade

         Quanto a Idéias fixas de João Cabral de Melo Neto, obra de Félix de Athayde, ficamos por aqui, para passarmos para outra obra importante, qual seja, Duas Águas (Poemas Reunidos), de João Cabral de Melo Neto (Rio de Janeiro: José Olympio, 1956). 

         Dessa obra, Duas Águas (Poemas Reunidos), escolhemos o poema A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, uma homenagem que JOÃO CABRAL DE MELO NETO presta ao poeta mineiro, seu amigo e um dos nomes mais importantes nomes da poesia moderna:


                           
                    A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
                                                                     (João Cabral de Melo Neto)


       
        Não há guarda-chuva
        contra o poema
        subindo de regiões onde tudo é surpresa
        como uma flor mesmo num canteiro.


        Não há guarda-chuva
        contra o amor
        que mastiga e cospe como qualquer boca,
        que tritura como um desastre.


        Não há guarda-chuva
        contra o tédio:
        o tédio das quatro paredes, das quatro
        estações, dos quatro pontos cardeais.


         Não há guarda-chuva
         contra o mundo
         cada dia devorado nos jornais
         sob as espécies de papel e tinta.


        Não há guarda-chuva
        contra o tempo
        rio fluindo sob a casa, correnteza
        carregando os dias, os cabelos.


                                                       
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REFERÊNCIAS:
ATHAYDE, Félix de. Idéias fixas de João Cabral de Melo Neto. 4ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: FBN; Mogi das Cruzes, SP: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998, p. 12, 17, 26,37-38.
DE MELO NETO, João Cabral. Duas águas. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 45-46.

                                                     
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