- PEDRO LUSO DE CARVALHO
Escrever sobre Anton Pavlovitch Tchekhov, o mais importante escritor da
narrativa ficcional do gênero conto de todos os tempos, poderia parecer
pretensão demasiada caso o ato de escrever sobre ele não se constituísse em
homenagem ao gênio da história curta, como de fato se constitui esse preito.
Sendo assim, sinto-me à vontade para falar um pouco da sua vida e obra,
começando por L. N. Tolstoi, o grande literato russo autor do épico Guerra e
Paz, dos extraordinários romances Ana Karenina e Ressurreição, e do excepcional
conto A Morte de Ivan Ilitch, que afirmou ter sido superado por Tchekhov como
escritor na técnica da ficção, e por ter ele criado novas formas de escrever.
A vida de Tchekhov pode ser contada com maior ênfase a partir dos
sacrifícios pelos quais passou quando criança, quando trabalhava por horas
seguidas no armazém de seu pai, dormindo pouco e vendo sua saúde debilitar-se.
Do seu pai lembrava-se das noites em que obrigava aos seus filhos a participar
de cânticos e ofícios religiosos e da escravidão no armazém.
Até a idade de dezenove anos Anton Tchekhov viveu na cidade de Taganrog,
pacata localidade no sul da Rússia, onde nasceu no ano de 1860. Após ter
concluído o Liceu mudou-se para Moscou, três anos depois que sua família havia
se mudado para a capital russa; aí passou a morar com a família numa casa velha
desprovida de qualquer conforto, sem um único quarto, e localizada num dos
bairros mais pobres da cidade.
Após ter obtido uma bolsa de estudos, Tchekhov matriculou-se na
Faculdade de Medicina, na qual se formou no ano de 1884, época em que passou a
sentir os primeiros sintomas de tuberculose pulmonar, que o levaria à morte
anos mais tarde. Além dos estudos e do trabalho em hospital continuou com sua
atividade literária escrevendo histórias de humor, sob pseudônimo, para
diversas revistas humorísticas.
Tchekhov esforçava-se para ajudar na manutenção de sua família, composta
que era de quatro irmãos e uma irmã, além dos seus genitores, trabalhando
sempre às pressas. No período de 1880 a 1884 escreveu cerca de trezentos
textos, entre contos e novelas, dando pouca atenção à qualidade dessas obras,
já que a sua preocupação estava voltada para o sustento da família. No entanto,
não demoraria a deixar essas revistas, que considerava atividade de ocasião, e
partiria para a grande literatura.
No ano de l886 Tchekhov recebeu uma carta de Dmitri Grigorovich, um dos
mais importantes escritores da Rússia, que o influenciou a ponto de
conscientizá-lo de que ele era um verdadeiro escritor, fazendo-o assumir essa
condição, embora nessa época já estivesse assinando seus textos com o seu
verdadeiro nome, que eram publicados na Gazeta de Petersburgo e na revista
Novos Tempos, dois importantes veículos de comunicação.
Em sua carta, Grigorovith dizia a Tchekhov: “Os atributos variados de
seu indiscutível talento, a verdade de suas análises psicológicas a mestria de
suas descrições (...) deram-me a convicção de está destinado a criar obras
admiráveis e verdadeiramente artísticas. E o senhor se tornará culpado de um
grande pecado moral, se não corresponder a essas esperanças. O que lhe falta é
estima por esse talento, tão raramente conhecido por um ser humano. Pare de
escrever demais. Deixe de produzir trabalhos com data marcada! Desconheço suas
condições materiais, caso sejam minguadas, de preferência passe fome, como nós
já o fizemos. Poupe suas impressões para um trabalho bem apurado, que não se
pode escrever de chofre, mas, sim, nas horas felizes de calma e inspiração”.
Além da influência de Grigorovith, também foi bastante influenciado por
Tolstoi, mas não levou muito tempo para que Tchekhov passasse a trilhar o seu
próprio caminho, como pode se ver pelos seus contos A Estepe, O Colapso
Nervoso, Uma Estória Aborrecida, que logo passaram a ser apreciados pelos
críticos e leitores da época, o que ainda ocorre nos dias atuais.
A matéria prima para as suas criações, quando Tchekhov já tinha plena
consciência de sua importância para a arte literária, originou-se, em grande
parte, do convívio em hospitais de Moscou e da sua periferia, com pessoas que
viviam em estado de miserabilidade, trespassadas de dores às quais tentava
minimizar, e desprovidas de quaisquer esperanças. Como médico nada recebia
desses pacientes, mas, em contrapartida, teve seu caráter fortalecido, além de
ter tomado consciência da insensatez e da indiferença dos governantes no
tocante à miséria humana, tema que se amalgamou à sua produção literária.
Tchekhov também se dedicou às vítimas da epidemia de cólera que assolou
parte da Rússia no ano de 1892, epidemia que retornou em 1893. Um novo
empreendimento o aguardava, a luta para denunciar os maus tratos sofridos pelos
condenados a trabalhos forçados no maior presídio da Rússia, localizado na Ilha
de Sacalina, onde colheu provas fotográficas e entrevistou dezenas de
prisioneiros que sofriam de maltrato físico e psíquico. A partir de sua denúncia,
que compungiu a sociedade russa, o Governo passou a exercer forte fiscalização
nesse presídio da Sibéria.
O escritor continuou transportando para os seus contos e novelas toda a
intensidade do sofrimento das pessoas marginalizadas com as quais convivia, em
especial nas suas primeiras obras, com a experiência que teve com a peste e o
empreendimento realizado na Sibéria. Um dos exemplos é Enfermaria nº 6, conto
extenso escrito em 1892; nele se sente com toda a intensidade, de forma
pungente, o requinte da crueldade que subjugava e dilacerava o homem pela dor
da carne e da alma.
Outro exemplo, o conto O Assassinato, escrito em 1895, no qual
transparece a dolorosa experiência vivida na Sibéria. Outros contos
importantes, Os camponeses e O vale foram resultados das experiências que teve
com o campesinato, narrando com força e realismo toda a miséria e dificuldades
pelas quais passavam os camponeses russos.
A obra de Tchekhov contém histórias de pessoas comuns da sociedade
russa, pessoas simples que viviam em Moscou, nas pequenas cidades e vilas
camponesas; cada uma dessas pessoas tinha, no dia-a-dia de suas vidas, que
vencer uma luta feroz contra as privações materiais que ameaçavam sua
sobrevivência nas cidades, nas vilas e nos campos, onde a miséria os rondava;
essa realidade foi, em grande parte, a matéria-prima de suas histórias.
Era tal o talento e o gosto de Tchekhov pelo conto e novela que nunca
sentiu necessidade e inspiração para produzir obra mais alentada, como é o caso
do romance; talvez Tchekhov tenha sido o único escritor russo de escol que
nunca escreveu um único romance; não o fez simplesmente por ter seu interesse
literário voltado para a narrativa curta..
Contos, ao contrário, Tchekhov escreveu centenas deles, e com rara
facilidade, sobre quaisquer temas, passando dos contos mais extensos que
poderiam ser tomados por novelas, para os contos curtos e sintéticos, todos, no
entanto, impregnados do seu humanismo e do seu profundo sentimento de
solidariedade para com os desafortunados. Sobre a aristocracia, descreveu-a com
o seu refinado estilo, como indolente e ridícula por suas frivolidades.
Além dos contos de Tcheckhov que mencionei acima, dou realce ao livro A
Dama do Cachorrinho & Outros Contos, publicado pela Editora 34, com
tradução de Boris Schnaiderman. Nesse livro encontram-se publicados, além de
uma de suas obras primas, A Dama do Cachorrinho, mais trinta e cinco contos,
dentre eles, Nos banhos, Casa-se a cozinheira, Crime premeditado, Aflição, Um
dia no campo, Gente supérflua, Ventoinha, Um caso clínico, Homem num estojo,
Queridinha, etc.
Techekhov morreu em 1904, aos 44 anos de idade, em Badenweiler,
Alemanha, distante de sua Rússia. Passou os últimos momentos de vida com sua
esposa, a atriz Olga Knipper, sabendo que personagens e histórias por ele
escritas não morreriam, e que com eles continuaria a viver. (Ver Anton
Tchekhov/Enfermaria nº 6.)
REFERÊNCIAS:
MASON, Jayme. Mestres
da literatura russa: aspectos de suas vidas e obras. Rio de Janeiro:
Objetiva, 1995.
TCHEKHOV, Anton. Nota
bibliográfica in A dama do cachorrinho. Trad. de Boris Schnaiderman. Ed.
34, 2001.
TCHEKHOV, Anton. In:
As três irmãs e contos. Trad. de Boris Schnaiderman. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
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