16 de mar. de 2011

[Conto] PEDRO LUSO - A História do Oficial de Justiça





[ESPAÇO DO CONTO]


A HISTÓRIA DO OFICIAL DE JUSTIÇA
[ PEDRO LUSO DE CARVALHO ]


O circunspeto Romualdo era um bom oficial de justiça. Durante mais de dez anos executou com zelo o seu trabalho, sem um único deslize. Pessoa íntegra, no fórum conquistou respeito e admiração de seus superiores e dos demais servidores da Justiça.

 Certo dia o oficial de justiça saiu de casa para fazer uma citação a três quadras dali. Parou em frente a uma casa e acionou a campainha. Retirou alguns documentos da pasta e ficou aguardando a pessoa para citá-la. Logo apareceu à porta uma mulher, com ar de preocupação. Romualdo adiantou-se:

– A senhora se chama Mafalda?

– Sim, senhor!

 Mafalda estava na casa dos trinta anos. Apareceu na moldura da porta trajando um vestido vermelho com ousado decote. Romualdo desviou o olhar. Limitou-se a entregar-lhe alguns documentos. Depois se retirou com um tímido aceno com a cabeça.

Passados dois dias, Romualdo recebeu um bilhete de Mafalda, convidando-o para um aperitivo em sua casa. Tornou a ler o bilhete para certificar-se se era a mesma mulher que citara dias atrás. Não havia dúvida, a letra era a mesma.

Uma semana depois, Romualdo recebeu um telefonema de Mafalda. Ela disse-lhe que estava magoada por não ter recebido nenhuma resposta. E renovou o convite:

– Hoje, aguardo por você.

– Eu sou um homem casado...

– Venha no final da tarde – disse a mulher, com firmeza.

Romualdo foi ao encontro de Mafalda, depois de concluir a última citação daquele dia. Os encontros nos finais de tarde tornaram-se rotineiros. Aos domingos, Romualdo saia a passeio com a esposa e a filha.

Passados pouco mais de dois anos, Romualdo começava a sentir o peso da culpa, enquanto Mafalda apegava-se ainda mais a ele. Não deixava de pensar na boa qualidade de vida que levava, antes de conhecer a amante.

Decidido a romper com o relacionamento, pediu a Mafalda que o esperasse, no final da tarde. Chegando, Romualdo dirigiu-se à sala de visitas.

– Vamos ter que terminar com este caso – disse.

Sem esperar oposição de Mafalda, saiu às pressas. A amante permaneceu sentada por algum tempo, com o olhar fixo na porta, por onde saiu o amante. Sem derramar uma única lágrima, disse para si mesma: “ele não tem o direito de me deixar”. 

Mafalda passou a telefonar todas as noites para a casa de Romualdo. A esposa preocupava-se com esses telefonemas, e com o estado de prostração do marido.

Passados alguns dias da separação, Romualdo organizava alguns mandados de citação, que se encontravam sobre a escrivaninha, quando a esposa foi ao seu encontro.

– Um menino me entregou isto – disse, preocupada.

Romualdo esperou que ela saísse para abrir o envelope. Reconheceu a letra de Mafalda. Um sentimento de desgraça deixou-o abatido. No bilhete, a amante dizia: “vou contar tudo o que existiu entre nós à sua mulher”.

O oficial de justiça voltou a sentar-se, abalado. Com as costas da mão afastou os documentos que estavam sobre a mesa, onde colocou o bilhete, com os rabiscos ameaçadores da amante.

De repente, tomado de fúria, Romualdo saiu em direção à casa de Mafalda. Enquanto caminhava, segurava o revólver no bolso do paletó até deparar-se com a amante, momento em que sentiu a mão enrijecida e os contínuos repuxos da arma.

O tempo parecia ter parado para o oficial de justiça. Coçou os olhos, como se estivesse acordando, e depois ouviu o seco estalido das algemas.




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