- PEDRO LUSO DE CARVALHO
MARGUERITE YOURCENAR recebeu
uma educação especial; estudou línguas clássicas e das civilizações
mediterrâneas. Estudou latim e grego pela atração que sentia pela literatura do
mundo clássico. A sua obra de ficção contém muito dessa literatura, para as
quais aplicou uma técnica que lhe era própria.
Os romances de Yourcenar
foram produzidos justamente tendo por base essa cultura clássica, que acumulara
quase sempre voltada à História. Memória
de Adriano (1951), romance no qual imaginara esse imperador, no início do
segundo século da era cristã, é um bom exemplo do fascínio que exercia sobre
ela a produção artística e literária do mundo clássico.
A obra de Marguerite
Yourcenar é extensa, ao todo 25 livros, mais da metade traduzida para o
português, a partir de 1980. Os temas de seus livros passam pela história, pela
arte, pela religião e pelo erotismo.
As duas dimensões
praticamente inseparáveis dos temas místicos que aborda, e que procura fazer
sobressair-se na sua obra, são o profano e o sagrado. A título de exemplo,
mencionamos a A obra em negro, Contos orientais, Fogos, Alexis, O tempo, esse grande escultor, Recordações de família e Arquivos do norte.
Segue a resposta nº 1, de
Marguerite Yourcenar, a Patrick de
Rosbo sobre a forma, feita na
entrevista que lhe concedeu na rádio Frace Culture em janeiro de 1971 (in Entrevistas com Marguerite Yourcenar/Patrick Rosbo,
tradução de Raquel Ramalhete –
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p.15-16):
[ESPAÇO DA ENTREVISTA]
A FORMA
( Marguerite Yourcenar )
ROSBO – pergunta nº 1– Como se coloca para a
senhora o problema da forma na criação de sua obra?
MARGUERITE YOURCENAR – resposta nº1 – O
problema da forma desempenha um papel particular no pensamento crítico da
França e, na minha opinião, damos-lhe muitas vezes um lugar importante demais.
O respeito de nossos compatriotas pela literatura é tal que, quando se diz que
um livro foi bem escrito, tudo foi dito.
Na verdade, para mim, não há antítese entre fundo e forma.
A forma de um ser é o aspecto visível,
tangível de sua natureza. Este cão fraldeiro que está a meu lado, nós o
reconhecemos como fraldeiro por sua forma. É por sua forma que ele é o que é e
não um são-bernardo. Quando olhamos num museu uma velha de Rembrandt ou, ao
contrário, a Vitória de Samotrácia, é
só através de uma certa forma que conhecemos o pensamento que o pintor ou o
escultor quiseram nos transmitir: por um lado o patético da velhice, a
dignidade da velhice, por outro o impulso heroico, a tempestade feita mulher,
uma espécie de grande anjo feito de velocidade e vento. Nos dois casos, a forma
não é outra coisa senão o fundo tornado visível e a essência tornada palpável:
aqui um emaranhado de rugas, lá dobras de pano, escavadas e infladas pelo vento
do mar. Se não houvesse essa forma pintada ou esculpida não haveria nem
pensamento, , nem obra, nem obra-prima. E o mesmo acontece com tudo o que nos
toca na vida. É pela forma que nos reconhecemos, como é pela ação que nos
mostramos tal como somos. Proponho então que o problema da forma enquanto
oposto, superimposto ao pensamento, seja de certo modo deixado de lado, porque
é um falso contraste e um falso problema.
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