- PEDRO LUSO DE CARVALHO
DALTON TREVISAN foi um dos escritores brasileiros que, no
início dos anos 60, passaram a adotar o conto para contar suas histórias; nessa
época, que marcou uma revolução na produção desse gênero literário, também se
destacaram: Rubem Fonseca, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles.
Na introdução de Os
cem melhores contos brasileiros do século, o crítico literário Italo
Moriconi disse que foi há cerca de cinco décadas que o conto se formatou em uma
narrativa de no máximo 20 a 25 páginas, deixando para trás as histórias mais
longas e caudalosas, que são classificadas como novelas.
No moderno conto brasileiro destacam-se Dalton Trevisan e
Rubem Fonseca, o que pode ser comprovado pela crítica literária e também pelos
nomes das editoras que os publicam, pelo numero de suas reedições, em especial
pela aceitação de ambos pelos leitores.
Segue o conto Três
tiros na tarde, de Dalton Trevisan (in Dalton Trevisan/A faca no coração,
2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1979, p. 53-55):
[ESPAÇO DO CONTO]
TRÊS TIROS NA TARDE
(Dalton Trevisan)
Primeiro ela deitou uma
droga no licor de ovo – a garganta em fogo, João correu para a cozinha e tomou
bastante leite. Depois ela misturou soda cáustica na loção de cabelo, que lhe
queimou as mãos. O vidro moído no caldo de feijão rangia-lhe os dentes – e
rolava no chão do banheiro, as entranhas fervendo.
Chaveados no guarda-roupa o
creme de barba, o talco, o perfume, João decidiu só comer na companhia dos
filhos – e se, para matá-lo, envenenasse Maria também os filhos?
Ele dormia, cansado da
viagem de negócio. Maria abriu o gás do aquecedor. Salvo pelo menino, que bateu
na porta:
– Pai, acorde. Que cheiro é
esse pai?
– Esqueci o cigarro aceso.
Já dormia em quarto
separado. Ela recebia flores de antigos noivos. Fim de semana viajou sozinha
para aborto de um filho que não era dele.
– Os dias que passei longe –
anunciou para uma amiga – foram os melhores de minha vida.
O pai de João foi procurá-lo
no escritório:
– Meu filho, o que está
esperando? Você quer morrer – é isso?
Sem coragem de abandonar os
meninos com aquela doida. Ou quem sabe amava a doida?
Na poltrona da sala, o copo
de uísque na mão, lia os programas dos cinemas:
– Que filme gostaria de ver,
Maria?
Um dos guris brincando a
seus pés no tapete.
– Para você, querido.
Voltou-se e recebeu os três
tiros no rosto.
– Mãe, por que a senhora fez
isso? – e o piá limpava no pulôver branco a mãozinha grudenta.
– Agora não adianta mais.
Olho arregalado, a sogra
surgiu na porta:
– O meu filho essa
desgraçada matou.
Deitado o seu menino no sofá
de palhinha. Vertia sangue das feridas e pingava numa bacia no chão.
– Tão bonito. Nem tinha pelo
no braço. No carnaval saiu de mulher. Ninguém desconfiou.
De joelho, a velha enxugava
a sangueira no bigode:
– Por que não dá o tiro de
misericórdia?
Maria virou-lhe as costas:
– Tirem daqui essa louca.
Sozinha no quarto, vestiu-se
de vermelho, pintou o olho, enfeitou-se de brinco. Toda em sossego sorria para
o espelho.
* * *